Revolução Sexual
No meu tempo (ali pela Renascença) namorar era como uma lenta conquista de territórios hostis. Avançávamos no desconhecido como desbravadores do Novo Mundo. Centímetro a centímetro, mentira a mentira. Em nenhuma outra atividade humana, salvo, talvez, a diplomacia, se mentia tanto como num namoro. E o objetivo era o mesmo da diplomacia, conseguir com palavras o que não se conseguia com a força. Negociava-se cada palmo.
- Pode, mas só até aqui.
- Está bem.
- Jura?
- Juro.
- Você passou! Você mentiu!
- Me distraí.
Na verdade, não mentíamos para vocês, mentíamos por vocês. Dávamos a vocês todos os álibis. O que quer que acontecesse, era por nossa insistência, não porque vocês também queriam. Calhorda era quem dizia, abjetamente, a verdade, e não fazia o que jurava que não ia fazer, e vocês queriam que fizesse. Cavalheiros eram os que diziam que só queriam ver, não iam tocar, e tocavam.
Hoje, pelo que me contam, não há mais este cerimonial. Desgraçadamente, as coisas começaram a mudar justamente quando eu entrei para uma ordem religiosa, a dos monógamos. A revolução sexual, que um dia ainda vai ser comemorada como a Revolução Francesa, com a invenção da pílula correspondendo à queda da Bastilha e o fim do sutiã ao fim da monarquia absoluta - e o termo sans culote, claro, adquirindo novos significados - desobrigou o homem de mentir para proteger a reputação da mulher. Aliás, ouvi dizer que agora a mentira mais usada pelo homem durante um namoro é "Hoje não, querida, estou com dor de cabeça".
Mas só quem viveu antes da revolução conhece as delícias da repressão. Esta geração jamais conhecerá a doce aflição de tentar desengatar um sutiã com dedos trêmulos, e finalmente conseguir quando já se começava a pensar num maçarico, só para ter que engatá-lo de novo às pressas porque a mãe dela vinha vindo.
Acho que foi isso que nos tornou mais fortes.
19/8/2000
Luís Fernando Veríssimo ©
No meu tempo (ali pela Renascença) namorar era como uma lenta conquista de territórios hostis. Avançávamos no desconhecido como desbravadores do Novo Mundo. Centímetro a centímetro, mentira a mentira. Em nenhuma outra atividade humana, salvo, talvez, a diplomacia, se mentia tanto como num namoro. E o objetivo era o mesmo da diplomacia, conseguir com palavras o que não se conseguia com a força. Negociava-se cada palmo.
- Pode, mas só até aqui.
- Está bem.
- Jura?
- Juro.
- Você passou! Você mentiu!
- Me distraí.
Na verdade, não mentíamos para vocês, mentíamos por vocês. Dávamos a vocês todos os álibis. O que quer que acontecesse, era por nossa insistência, não porque vocês também queriam. Calhorda era quem dizia, abjetamente, a verdade, e não fazia o que jurava que não ia fazer, e vocês queriam que fizesse. Cavalheiros eram os que diziam que só queriam ver, não iam tocar, e tocavam.
Hoje, pelo que me contam, não há mais este cerimonial. Desgraçadamente, as coisas começaram a mudar justamente quando eu entrei para uma ordem religiosa, a dos monógamos. A revolução sexual, que um dia ainda vai ser comemorada como a Revolução Francesa, com a invenção da pílula correspondendo à queda da Bastilha e o fim do sutiã ao fim da monarquia absoluta - e o termo sans culote, claro, adquirindo novos significados - desobrigou o homem de mentir para proteger a reputação da mulher. Aliás, ouvi dizer que agora a mentira mais usada pelo homem durante um namoro é "Hoje não, querida, estou com dor de cabeça".
Mas só quem viveu antes da revolução conhece as delícias da repressão. Esta geração jamais conhecerá a doce aflição de tentar desengatar um sutiã com dedos trêmulos, e finalmente conseguir quando já se começava a pensar num maçarico, só para ter que engatá-lo de novo às pressas porque a mãe dela vinha vindo.
Acho que foi isso que nos tornou mais fortes.
19/8/2000
Luís Fernando Veríssimo ©
Um comentário:
Na atualidade, um dos melhores!
Marise querida, pela miléssima vez, parabéns minha amiga querida.
Vou deixar aberto seu blog para continuar curtindo essas músicas maravilhosas.
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