segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Irani Genaro



A Cerca

Pobre cerca de tábuas despencadas,
Eu sei por que tu choras, companheira...

Os anos pesam mais do que as ramadas
Ou galhos da rosada trepadeira!

E sempre que chegavam as floradas,
Teu corpo era engolido e, altaneira,
Tão repleta de flores tu ficavas,
Beijando a rama terna e tão faceira!


Tens hoje a alma triste e já sem sonho.

Dor de saudade é ramo assaz medonho
Que agora se debruça sobre ti!


Não te sintas assim injustiçada,

Nem me ralhes, pois eu não sou culpada;
Repare! - Eu também envelheci!

Irani Genaro
Sorocaba (SP) - Brasil

Visite a sensibilidade de Irani Genaro em seu Paraíso

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Federico García Lorca



"Mas o que vou dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu? Olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo, e nada mais. Compreenderás que um poeta não pode dizer nada da poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia. (Federico García Lorca)"


Poeta e dramaturgo, Lorca tem uma obra extensa e admirável, e este blog apresenta uma pequena mostra de uma das suas criações, Sonetos Del Amor Oscuro. A referida obra é composta de onze sonetos, que podem ser lidos em sua totalidade, clicando aqui. Nesta postagem do Scenarium, apresento apenas quatro deles e, pela polêmica em relação às traduções, optei pelo idioma original.

Depois dos poemas, posto um resumo da análise de Antón Corbacho Quintela, editado no site da Agulha – Revista de Cultura, sobre as traduções goianas da obra de Lorca, destacando os comentários aos Sonetos del Amor Oscuro. Para ler o estudo na íntegra, é só clicar no nome da Revista.


Llagas de Amor

Esta luz, este fuego que devora.
Este paisaje gris que me rodea.
Este dolor por una sola idea.
Esta angustia de cielo, mundo y hora.

Este llanto de sangre que decora
lira sin pulso ya, lúbrica tea.
Este peso del mar que me golpea.
Este alacrán que por mi pecho mora.

Son guirnalda de amor, cama de herido,
donde sin sueño, sueño tu presencia
entre las ruinas de mi pecho hundido.

Y aunque busco la cumbre de prudencia
me da tu corazón valle tendido
con cicuta y pasión de amarga ciencia.



Soneto de La Dulce Queja

Tengo miedo a perder la maravilla
de tus ojos de estatua y el acento
que me pone de noche en la mejilla
la solitaria rosa de tu aliento.

Tengo pena de ser en esta orilla
tronco sin ramas, y lo que más siento
es no tener la flor, pulpa o arcilla,
para el gusano de mi sufrimiento.

Si tú eres el tesoro oculto mío,
si eres mi cruz y mi dolor mojado,
si soy el perro de tu señorío.

No me dejes perder lo que he ganado
y decora las aguas de tu río
con hojas de mi Otoño enajenado.



Noche Del Amor Insomne

Noche arriba los dos con luna llena,
yo me puse a llorar y tú reías.
Tu desdén era un dios, las quejas mías
momentos y palomas en cadena

Noche abajo los dos. Cristal de pena,
llorabas tú por hondas lejanías.
Mi dolor era un grupo de agonías
sobre tu débil corazón de arena.

La aurora nos unió sobre la cama,
las bocas puestas sobre el chorro helado
de una sangre sin fin que se derrama.

Y el sol entró por el balcón cerrado
y el coral de la vida abrió su rama
sobre mi corazón amortajado.



El Amor Duerme En El Pecho Del Poeta

Tú nunca entenderás lo que te quiero
porque duermes en mí y estás dormido.
Yo te oculto llorando, perseguido
por una voz de penetrante acero.

Norma que agita igual carne y lucero
traspasa ya mi pecho dolorido
y las turbias palabras han mordido
las alas de tu espíritu severo.

Grupo de gente salta en los jardines
esperando tu cuerpo y mi agonía
en caballos de luz y verdes crines.

Pero sigue durmiendo, vida mía.
Oye mi sangre rota en los violines.
¡Mira que nos acechan todavía!



(...) Os onze Sonetos do Amor Obscuro, escritos entre 1935 e 1936, foram publicados por primeira vez aos 17 de março de 1984, em uma separata do suplemento cultural do diário ABC, de Madri. No momento de sua publicação, não houve entre a crítica literária espanhola nenhuma dúvida em relação ao fato desses sonetos amorosos reafirmarem a genialidade do autor. Porém levantaram-se acirradas polêmicas sobre se eles confirmavam a homossexualidade do poeta. As discordâncias começaram já pelo título que deveria receber a série de poemas. Segundo Ian Gibson (biógrafo de Lorca), não existe documento conhecido em que Lorca aluda aos seus sonetos sob o título geral dos Sonetos del amor oscuro:

a fonte principal no que se refere a essa denominação é Vicente Aleixandre, que a ouviu do próprio Lorca e em 1937 recordou uma leitura privada dos poemas alguns meses antes da morte do autor. Quando ele acabou de ler, Aleixandre exclamou: “Que coração! Como deve ter amado! Como deve ter sofrido!”.

O crítico e editor de Lorca, Miguel García-Posada, acreditou ao resenhar esses poemas que o simples rótulo Sonetos transmitia de forma mais precisa os perfis do projeto poético que Lorca estava desenvolvendo quando foi assassinado, deixando inconcluso seu propósito de compor poesia seguindo uma poética mais classicista, frente à concepção surrealista de Poeta en Nueva York:

¿Y el mítico título de Sonetos del amor oscuro? Diversos amigos de Lorca, desde Aleixandre a Cernuda, lo han mencionado, y sin duda se lo oyeron al poeta. Basta leer el soneto que comienza: ‘Ay voz secreta del amor oscuro...’ ¿Por qué no lo adoptó el autor de modo definitivo? Aquí se entrecruzan dos problemas [...]. El primero afecta al alcance del sonetario proyectado. Por diversos testimonios coincidentes es lícito inferir que el libro en preparación no iba a constar solo de poemas amorosos.

A partir dessa divergência, que também se refletirá nas traduções de Félix de Sousa e Agel de Melo, surge uma outra discrepância. Para Gibson apresenta-se como inegável que o adjetivo “oscuro” [escuro] aplicado por Lorca ao amor tem um sentido manifestamente homossexual. O biógrafo de Lorca baseia-se na análise das vivências do poeta, durante suas estadias na cidade de Valencia, em 1933 e 1935, para relacionar três dos sonetos com dois amigos do poeta. Assim, “Soneto de la carta” e “El poeta dice la verdad” refletiriam as preocupações, a saudade e o descontentamento de Lorca a respeito do seu relacionamento com Rafael Rodríguez Rapún e o “Soneto gongorino en que el poema manda a su amor una paloma” estaria relacionado com a amizade de Lorca com o poeta valenciano Juan Gil-Albert, homossexual assumido que o presenteara com uma pomba engaiolada. Ao contrário do parecer de Gibson, García-Posada , no prólogo da primeira edição completa dos Sonetos, opinou veementemente que o “amor escuro” do poeta andaluz era, simplesmente, um amor secreto, ausente, um amor que mata ou faz morrer. Esse crítico achava, em 1984, que os sonetos de Lorca estavam longe da literatura pederasta e que neles brotava uma conceição cósmica do amor, fruto de um “pan-sexualismo” vinculado à moral do amor, distante da corrupção e da vileza que sujam e prostituem o sentimento amoroso. Vinte anos depois de escrever sua apologia do “pan-sexualismo” lorquiano refletido nos Sonetos, no prólogo à edição da Poesia Completa III, García-Posada abandonou sua alucinada peneira moralista e praticamente contradisse o que anteriormente expusera com irritado tom taxativo. Assim, em 2003 escreveu que foi a relação com Rafael Rodríguez Rapún o que inspirou a série inconclusa dos “sonetos do amor escuro” e que eles são um inequívoco canto de paixão e de temor à perda do amor. Além disso, inseriu o rótulo Sonetos del amor oscuro como subtítulo de Sonetos.

A primeira divergência nas traduções dos sonetos “póstumos” de Lorca localiza-se no título adotado para o conjunto de poemas. Félix de Sousa opta por traduzir o título espanhol Sonetos del amor oscuro como “Sonetos do amor obscuro”. Aliás, ele discerniu que o título “sonetos do amor obscuro” era simplesmente mais belo e sugestivo, e menos pudoroso, que “sonetos do amor” e que o adjetivo enfatizava a condição clandestina em que era vivido esse amor. Ora, o que não ficou esclarecido é por que ao traduzir oscuro ao português, Félix de Sousa coloca “obscuro”, e não “escuro”, sobretudo se é levado em consideração, por um lado, que, assim como em português existem os adjetivos “obscuro” e “escuro”, em espanhol existem os adjetivos obscuro e oscuro, suas equivalências sinônimas, e por outro, que, caso Lorca, segundo asseverou Vicente Aleixandre, tivesse qualificado amor com um adjetivo, esse adjetivo espanhol foi oscuro e não obscuro. Ao incorporar por primeira vez nove dos Sonetos à sua tradução da Antologia poética completa, Agel de Melo intitulou a série de Sonetos inéditos, evitando assim os devaneios em torno da polêmica do título.

A segunda divergência entre Félix de Sousa e Agel de Melo reside em compreensões parcialmente opostas do trabalho de tradução dos sonetos:

Ao traduzir estes sonetos, procurei fundir o mais possível os recursos proporcionados pelas duas línguas irmãs. A fim de que ao menos se mantivessem próximos da unidade harmônica original, tive que proceder a inversões, alterar ou sacrificar (muitas vezes com sacrifício também meu) uma e outra palavra e imagem, buscar equivalências que em certos casos apenas roçam o sentido. Tinha que ser assim. A tradução destes sonetos não podia ser uma versão literal e portanto esquelética, mas uma tentativa de alcançar em português o reflexo da beleza dos sonetos em castelhano. Não fosse assim, seria melhor não traduzi-los.

Fontes:
Agulha – Revista de Cultura
Poetryweb

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Ferreira Gullar



Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém,
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Deixo com vocês o poema de Gullar musicado por Raimundo Fagner, interpretado por ele e Chico Buarque.
Não se esqueçam de acionar a pausa na playlist do blog.