domingo, 29 de agosto de 2010

Chimamanda Adichie



A escritora:

Chimamanda Ngozi Adichie nasceu na Nigéria e viveu em seu país até completar dezenove anos de idade. Mudou-se para os Estados Unidos, quando foi estudar na Universidade de Drexel, na Filadélfia. Depois se transferiu para a Universidade de Connecticut. Fez estudos de escrita criativa na Universidade John Hopkins de Baltimore e doutorado em estudos africanos na Universidade de Yale.

Seu primeiro romance, "Purple Hibiscus" (Hibisco Roxo), foi publicado em 2003. Três anos depois, publicou "Meio Sol Amarelo" (Cia. das Letras, 2008), alusão à bandeira de Biafra, que não conseguiu sua independência com a guerra civil.
A obra, que recebeu o prêmio Orange de ficção, narra a história de irmãs gêmeas não-idênticas que representam metaforicamente os dois lados de uma nação dividida, e que culmina na Guerra de Biafra (guerra civil na Nigéria, entre 1967 e 1970, que deixou mais de 1 milhão de mortos).

A TED:

TED é uma conferência anual que reúne os mais importantes pensadores do mundo e desafia seus convidados a fazerem a melhor apresentação de suas vidas em 18 minutos. As mais significativas apresentações e performances sobre vários temas são disponibilizados gratuitamente na internet em seu site.

A palestra em vídeo:

Em sua palestra Chimamanda Adiche fala sobre o perigo da história única, ou seja, como um único olhar sobre uma pessoa, um povo ou uma cultura é limitador e gera estereótipos difíceis de serem superados. Através de sua experiência de vida, ela narra como o ser humano se deixa influenciar por modelos prontos, sem buscar outros olhares, outras vivências, outras histórias. É imperdível!

Àqueles que não dominam o idioma inglês, sugiro assistirem ao vídeo em tela plena, para melhor visualização da tradução. É só clicar aqui.

Fontes: Wikipédia e TED.

domingo, 22 de agosto de 2010

Artemísia Gentileschi


Autorretrato - 1630
“Imaginem o período que vai de 1593 a 1653, em que o conhecimento do mundo ainda é limitado, o Papa tem poder absoluto e as mulheres não têm vez, nem voz. Foi quando viveu Artemísia, iniciada na arte da pintura pelo pai, Orazio Gentileschi.

Nascida em Roma em 1593, Artemísia Gentileschi é influenciada pela técnica claro/escuro que seu pai dominava com muito talento, aproximando-se muito da linha artística de Caravaggio, grande nome da pintura barroca.

Depois de receber os primeiros ensinamentos do seu pai e ante a impossibilidade de frequentar a Academia, seu pai entrega Artemísia aos cuidados do amigo e colaborador Agostino Tassi, que se torna seu professor de pintura. A jovem pintora fica, então, à mercê da cobiça de Tassi que a estupra, quando ela estava com 17 anos. Orazio leva o amigo aos tribunais, mas acaba por expor a filha de modo ultrajante à corte, à igreja e ao povo, frustrando, assim, seu futuro.

Sabe-se hoje que Tassi acabou por ser condenado a um exílio de Roma por um período de cinco anos. Este exílio durou apenas quatro meses, graças às influências que ele soube aplicar.

A obra de Artemísia passa, então, a refletir esse desejo de vingança. Humilhada, chamada de “Puttana” pelas ruas, ela quer lutar pela sua inocência, mostrar aos homens sua capacidade de pensar e, assim, retrata personagens bíblicos como Judith e Holofernes em cenas sangrentas, em que Judith aparece como mulher determinada, cumprindo uma missão justiceira. Neste quadro, o general assírio Holofernes é decapitado por Judith, que assim libertou o seu povo (judeu) do jugo dos pagãos. Judith é quase um auto-retrato da própria Artemísia: forte, vingadora e convicta. A degolação pode simbolizar a castração que ela certamente queria infligir ao seu abusador.

Os quadros retratando Judith chocaram alguns de seus admiradores, tal a violência que expressavam. Estão entre os melhores da artista e podem ser considerados uma catarse.
Artemísia casou-se por conveniência com o pintor Pietro Antonio di Vicenzo Stiattesi e se mudou para Florença, onde pensava que seu passado não seria lembrado. Ela não se reprimiu como mulher, amou o marido, foi amada por ele, teve a filha Palmira Prudenzia, cumpriu seus deveres de mãe, mas nunca desistiu de ser reconhecida como pintora e dona da própria vida. Batalhou muito para conseguir abrir portas antes fechadas às mulheres, tendo sido admitida na exclusiva Academia de Desenho de Florença, onde mulher até então só entrava como modelo.

Artemísia conheceu os poderosos de Florença, como os Médici, foi amiga de Galileu, pintou para nobres de várias cidades. O silêncio que paira sobre ela talvez esteja encoberto pelo silêncio que ocultou durante anos outras grandes mulheres artistas. Não se sabe se ela perdoou o pai pelo julgamento a que foi submetida quando jovem. Seus quadros revelam, apenas, que Artemísia finalmente encontrou a paz.
Anos depois, superou o desejo de vingança sem abandonar os temas bíblicos e o apelo dramático característico de sua pintura. Acabou virando uma espécie de heroína contra o abuso do poder masculino e a favor da superação da mulher.”

Podemos encontrar as obras de Artemísia numa rápida pesquisa ao Google, mas clicando aqui vocês apreciarão vinte criações dessa magnífica artista.

Eu recomendo, ainda, a leitura do excelente estudo feito pela poeta e ensaísta Maria das Vitórias de Lima Rocha, postado no site da artista plástica Lena Gal.

Fontes:
Livro A Paixão de Artemísia, de Susan Vreeland, em artigo comentado por Bety Orsini
Old Master New Perspectives

domingo, 15 de agosto de 2010

Cecílio Elias Netto



Eu tinha intenção de postar esta crônica no Dia dos Pais, mas acabei não fazendo. Divulgo-a hoje, uma vez que sua mensagem não se prende a datas, ela será sempre atual para os pais que não dão limites aos filhos nem os ensinam a buscar seus ideais.

A Lua Que Não Dei

Compreendo pais - e me encanto com eles - que desejariam dar o mundo de presente aos filhos. E, no entanto, abomino os que, a cada fim de semana, dão tudo o que filhos lhes pedem nos shoppings onde exercitam arremedos de paternidade. E não há paradoxo nisso. Dar o mundo é sentir-se um pouco como Deus, que é essa a condição de um pai. Dar futilidades como barganha de amor é, penso eu, renunciar ao sagrado.
Volto a narrar, por me parecer apropriado à croniqueta, o que me aconteceu ao ser pai pela primeira vez. Lá se vão, pois, 45 anos. Deslumbrado de paixão, eu olhava a menina no berço, via-a sugando os seios da mãe, esperneando na banheira, dormindo como anjo de carne. E, então, eu me prometia, prometendo-lhe: "Dar-lhe-ei o mundo, meu amor." E não lho dei. E foi o que me salvou do egoísmo, da tola pretensão e da estupidez de confundir valores materiais com morais e espirituais.
Não dei o mundo à minha filha, mas ela quis a Lua. E não me esqueço de como ela pediu, a Lua, há anos já tão distantes. Eu a carregava nos braços, pequenina e apenas balbuciante, andando na calçada de nosso quarteirão, em tempos mais amenos, quando as pessoas conversavam às portas das casas. Com ela junto ao peito, sentia-me o mais feliz homem do mundo, andando, cantarolando cantigas de ninar em plena calçada. Pois é a plenitude da felicidade um homem jovem poder carregar um filho como se acariciando as próprias entranhas. Minha filha era eu e eu era ela. Um pai é, sim, um pequeno Deus, o criador. E seu filho, a criatura bem amada.
E foi, então, que conheci a impotência e os limites humanos. Pois a filhinha - a quem eu prometera o mundo - ergueu os bracinhos para o alto e começou a quase gritar, assanhada, deslumbrada: "Dá, dá, dá..." Ela descobrira a Lua e a queria para si, como ursinho de pelúcia, uma luminosa bola de brincar. Diante da magia do céu enfeitado de estrelas e de luar, minha filha me pediu a Lua e eu não lha pude dar.
A certeza de meus limites permitiu, porém, criar um pacto entre pai e filhos: se eles quisessem o impossível, fossem em busca dele. Eu lhes dera a vida, asas de voar, diretrizes, crença no amor e, portanto, estímulo aos grandes sonhos. E o sonho da primogênita começou a acontecer, num simbolismo que, ainda hoje, me amolece o coração. Pois, ainda adolescente, lá se foi ela embora, querendo estudar no Exterior. Vi-a embarcar, a alma sangrando-me de saudade, a voz profética de Kalil Gibran em sussurros de consolo:
"Vossos filhos não são vossos filhos, mas são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não de nós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. (...) Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas."
Foi o que vivi, quando o avião decolou, minha criança a bordo. No céu, havia uma Lua enorme, imensa. A certeza da separação foi dilacerante. Minha filha fôra buscar a Lua que eu não lhe dera.
E eu precisava conviver com a coerência do que transmitira aos filhos: "O lar não é o lugar de se ficar, mas para onde voltar."
Que os filhos sejam preparados para irem-se, com a certeza de ter para onde voltar quando o cansaço, a derrota ou o desânimo inevitáveis lhes machucarem a alma. Ao ver o avião, como num filme de Spielberg, sombrear a Lua, levando-me a filha querida, o salgado das lágrimas se transformou em doçura de conforto com Kalil Gibran: como pai, não dando o mundo nem Lua aos filhos, me senti arqueiro e arco, arremessando a flecha viva em direção ao mistério.
Ora, mesmo sendo avós, temos, sim e ainda, filhos a criar, pois família é uma tribo em construção permanente. Pais envelhecem, filhos crescem, dão-nos netos e isso é a construção, o centro do mundo onde a obra da criação se renova sem nunca completar-se. De guerreiros que foram, pais se tornam pajés. E mães, curandeiras de alma e de corpo. É quando a tribo se fortalece com conselheiros, sábios que conhecem os mistérios da grande arquitetura familiar, com régua, esquadro, compasso e fio de prumo. E com palmatória moral para ensinar o óbvio: se o dever premia, o erro cobra.
Escrevo, pois, de angústias, acho que angústias de pajé, de índio velho. A nossa construção está ruindo, pois feita em areia movediça. É minúsculo o mundo que pais querem dar aos filhos: o dos shoppings. E não há mais crianças e adolescentes desejando a Lua como brinquedo ou como conquista. Sem sonhos, os tetos são baixos e o infinito pode ser comprado em lojas. Sem sonhos, não há necessidade de arqueiros arremessando flechas vivas.
Na construção familiar, temos erguido paredes. Mas, dentro delas, haverá gente de verdade?
Cecílio Elias Netto é jornalista e seu blog pode ser acessado por aqui.

Antero de Quental



Oceano Nox

Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão onde se esconde
O inconsciente imortal só me responde
Um bramido, um queixume e nada mais.

(in Antologia – 1871 - Soneto dedicado a A. de Azevedo Castello Branco)

domingo, 8 de agosto de 2010

Ao meu saudoso Pai

recados orkut

Mario Quintana



As Mãos do Meu Pai

As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis

sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,

essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,

vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.

E é, ainda, a vida

que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida — que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma...