sexta-feira, 17 de junho de 2011

Patativa do Assaré



Aposentadoria de Mané do Riachão

Seu moço, fique ciente
De tudo que eu vou contar,
Sou um pobre penitente
Nasci no dia do azá,
Por capricho eu vim ao mundo
Perto de um riacho fundo
No mais feio grutião
E como ali fui nascido,
Fiquei sendo conhecido
Por Mané do Riachão.

Passei a vida penando
No mais crué padecê,
Como tratô trabaiando
Pru filizardo comê,
A minha sorte é trucida
Pá miorar minha vida
Já Rezei e fiz premessa
Mas isso tudo é tolice,
Uma cigana me disse
Que eu nasci foi de trevessa.

Sofrendo grande cancêra
Virei bola de biá
Trabaiano na carrêra
Daqui pra ali pra culá
Fui um eterno criado
Sempre fazendo mandado
Ajudando aos home rico,
Eu andei de grau em grau
Taliquá o pica-pau
Caçando broca em angico.

Sempre entrano pelo cano
E sem podê trabaiá,
Com sessenta e sete ano
Percurei me aposentar,
Fui batê lá no iscritoro
Depois eu fui no cartoro
Porém de nada valeu,
Veja o que foi , cidadão,
Que aquele tabelião
Achou de falar prá eu.

Me disse aquele escrivão
Frangino o côro da testa:
- Seu Mané do Riachão
Esses seus papé não presta,
Isto aqui não vale nada,
Quem fez esta papelada
Era um cara vagabundo,
Prá fazê seu apusento
Tem que trazê decumento
Lá do começo do mundo.

E me disse que só dava
Prá fazê meu aposento
Com coisa que eu só achava
No antigo Testamento,
Eu que tava prazentêro
Mode recebê o dinhêro
Me disse aquele iscrivão
Que precisava do nome
E tombém do subrenome
De Eva e seu marido Adão.

E além da Identidade
De Eva e seu marido Adão
Nome da niversidade
Onde estudou Salomão
E outras coisa custosa,
Bem custosa e cabulosa
Que neste mundo revela
A escritura sagrada
Quatro dedo da quêxada
Que Sanção brigou com ela.

Com a manobra e mais manobra
Prá puder me aposentar,
Levá o nome da cobra
Que mandou Eva pecar
E além de tanto fuxico,
O registro e currico
De Nabucodonosô,
Dizê onde ele morreu,
Onde foi que ele nasceu
E aonde se batizô.

Veja moço, que novela,
Veja que grande caipora
A pior de todas elas
O senhô vai vê agora,
Pra que eu me aposentasse,
Disse que tombém levasse
Terra de cada cratera
Dos vulcão dos istrangero
E o nome do vaquêro
Que amançou a besta fera.

Escutei achando ruim
Com a paciência fraca
E ele olhando prá mim
Com os olhos de jaraca
Disse a coisa aqui é braba
Precisa que você saba
Que sou iscrivão
Ou estas coisa apresenta
Ou você não se aposenta
Seu Mané do Riachão

Veja moço, o grande horrô
Sei que vou morrer depressa
Bem que a cigana falou
Que eu nasci foi de trevessa
Cheio de necessidade
Vou viver da caridade
Uma esmola cidadão
Lhe peço no santo nome
Não deixe morre de fome
O Mané do Riachão

Antonio Gonçalves da Silva
© Patativa do Assaré
Ceará (CE) – Brasil

Para vocês apreciarem um pouco mais a poesia de Patativa do Assaré ou saberem mais sobre a vida e a obra do poeta, visitem os itens abaixo:

- trailer do filme “Patativa do Assaré – Ave Poesia”, de Rosemberg Cariry

- vídeo sobre a trajetória do poeta, feito por Giselle Franca Bernard

- Vaca Estrela e Boi Fubá – de Fagner e Patativa do Assaré

- Sina - de Fagner, Ricardo Bezerra e Patativa do Assaré

Um comentário:

ju rigoni disse...

Ah, eu adoro! E você que visita o Dormentes já o deve saber. Gosto da harmonia, da sabedoria, da poesia que surge desses diferentes falares do interior do país. E o trabalho de Patativa do Assaré... me fascina.

Bjs, querida. Inté!