Homem-máquina
Nossa sociedade. Nós. Homens. Humanos. Máquinas. Onde nos perdemos? Quando realmente nos encontramos?
Acho que não existe outro período na História onde tivemos tanta liberdade quanto temos hoje, nenhum tipo de repressão, nem oposição a nada. Podemos tanto e essa talvez seja a maior repressão, a maior barreira entre as pessoas.
A sensação de poder fazer o que quiser gera a vontade de fazer tudo ao mesmo tempo. A internet se aproxima da velocidade da luz, nos possibilitando falar com todos, de uma só vez.
Quantidades exorbitantes! E a qualidade?
Acho que é mais fácil dizer para muita gente ao mesmo tempo que você está entrando no carro e indo ao supermercado do que sentar com um amigo e falar do que realmente nos faz bem, e do que nos faz mal. O conceito de se relacionar está mudando, não sabemos ainda muito bem para onde.
Comecei a pensar seriamente sobre isso no dia em que encontrei pessoalmente um grande amigo que conversava toda noite comigo pelo Messenger, foi tão estranho... Na época e pelo tipo de conversa que tínhamos, eu poderia dizer que ele era meu melhor amigo, e de repente nos vimos ali, completamente sem graça, sem saber sobre o que falar, então eu dei o primeiro passo e perguntei se ele estava melhor. Ele riu e falou:
— Te respondo mais tarde no MSN.
Seria mais fácil assim, a gente já se conhecia naquele esquema, aquela era a nossa relação possível. Era menos assustador lidar com a minha interpretação de suas palavras, do tom de voz que eu imprimia em cada frase, da risada que eu via passando na minha cabeça e que talvez ele nunca tivesse dado. Era a minha relação com a minha imaginação através da sugestão dele.
Imaginem, então, se o Twitter promovesse um encontro entre as pessoas que postam mensagens o dia inteiro, dando as coordenadas de cada passo de suas vidas, e seus seguidores que acompanham fervorosamente cada informação. Como seria? O que diriam uns aos outros? Seria confortável saber quem são as pessoas que sabem tanto da sua vida? Que tipo de intimidade é criada entre essas pessoas? Às vezes acho que jogamos essas preciosas informações de nossas vidas à deriva, sem direcionar a verdade para ninguém.
Preenchemos esse espaço em branco do mundo virtual de nós mesmos e não absorvemos de fato nenhuma informação do outro.
O mundo virtual está diretamente relacionado ao mundo imaginário, e nenhum é de fato palpável. E assim somos cada vez mais livres e mais entocados em nossos planetas particulares, nos privando da troca construtiva com o outro, ficando apenas com a ideia de se comunicar.
Acho que tudo tem dois lados e até mais. Usar a internet para expandir nossas fronteiras, manter contato com pessoas que estão distantes, poder divulgar nosso trabalho para quem tiver interesse é fantástico, é o ápice da democracia, todos nós podemos, não há hierarquia, além de uma série de outras vantagens. Mas a questão que me inquieta é que ainda somos pessoas que precisam urgentemente voltar a se relacionar com o mundo real, com os gestos reais que vêm do outro, poder reagir de fato a uma ação sincera e espontânea que na verdade já é uma reação da nossa ação de estar ali presente, disposto e disponível.
Falta de tempo é a nossa grande aliada na hora de ter uma desculpa para não podermos nos encontrar, mas tempo é a única coisa que temos nesta vida.
Luiza Possi é cantora
Revista O Globo – 12/07/09
Nossa sociedade. Nós. Homens. Humanos. Máquinas. Onde nos perdemos? Quando realmente nos encontramos?
Acho que não existe outro período na História onde tivemos tanta liberdade quanto temos hoje, nenhum tipo de repressão, nem oposição a nada. Podemos tanto e essa talvez seja a maior repressão, a maior barreira entre as pessoas.
A sensação de poder fazer o que quiser gera a vontade de fazer tudo ao mesmo tempo. A internet se aproxima da velocidade da luz, nos possibilitando falar com todos, de uma só vez.
Quantidades exorbitantes! E a qualidade?
Acho que é mais fácil dizer para muita gente ao mesmo tempo que você está entrando no carro e indo ao supermercado do que sentar com um amigo e falar do que realmente nos faz bem, e do que nos faz mal. O conceito de se relacionar está mudando, não sabemos ainda muito bem para onde.
Comecei a pensar seriamente sobre isso no dia em que encontrei pessoalmente um grande amigo que conversava toda noite comigo pelo Messenger, foi tão estranho... Na época e pelo tipo de conversa que tínhamos, eu poderia dizer que ele era meu melhor amigo, e de repente nos vimos ali, completamente sem graça, sem saber sobre o que falar, então eu dei o primeiro passo e perguntei se ele estava melhor. Ele riu e falou:
— Te respondo mais tarde no MSN.
Seria mais fácil assim, a gente já se conhecia naquele esquema, aquela era a nossa relação possível. Era menos assustador lidar com a minha interpretação de suas palavras, do tom de voz que eu imprimia em cada frase, da risada que eu via passando na minha cabeça e que talvez ele nunca tivesse dado. Era a minha relação com a minha imaginação através da sugestão dele.
Imaginem, então, se o Twitter promovesse um encontro entre as pessoas que postam mensagens o dia inteiro, dando as coordenadas de cada passo de suas vidas, e seus seguidores que acompanham fervorosamente cada informação. Como seria? O que diriam uns aos outros? Seria confortável saber quem são as pessoas que sabem tanto da sua vida? Que tipo de intimidade é criada entre essas pessoas? Às vezes acho que jogamos essas preciosas informações de nossas vidas à deriva, sem direcionar a verdade para ninguém.
Preenchemos esse espaço em branco do mundo virtual de nós mesmos e não absorvemos de fato nenhuma informação do outro.
O mundo virtual está diretamente relacionado ao mundo imaginário, e nenhum é de fato palpável. E assim somos cada vez mais livres e mais entocados em nossos planetas particulares, nos privando da troca construtiva com o outro, ficando apenas com a ideia de se comunicar.
Acho que tudo tem dois lados e até mais. Usar a internet para expandir nossas fronteiras, manter contato com pessoas que estão distantes, poder divulgar nosso trabalho para quem tiver interesse é fantástico, é o ápice da democracia, todos nós podemos, não há hierarquia, além de uma série de outras vantagens. Mas a questão que me inquieta é que ainda somos pessoas que precisam urgentemente voltar a se relacionar com o mundo real, com os gestos reais que vêm do outro, poder reagir de fato a uma ação sincera e espontânea que na verdade já é uma reação da nossa ação de estar ali presente, disposto e disponível.
Falta de tempo é a nossa grande aliada na hora de ter uma desculpa para não podermos nos encontrar, mas tempo é a única coisa que temos nesta vida.
Luiza Possi é cantora
Revista O Globo – 12/07/09
Um comentário:
Neste mundo fantástico onde a internet nos leva em segundos a tantos lugares, muitas vezes nos afasta do convívio da proximidade real, onde o calor do abraço amigo, sem sempre precisa ouvir palavras, o Amigo entende o olhar!!
...ao mesmo tempo essas Fantásticas Máquinas são as armas adequadas para que espalhemos em frações de segundos o incentivo para a PAZ e a melhora do MUNDO!!
Belo texto de Luiza Possi!!
Thais "beijaflor"
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