terça-feira, 14 de abril de 2009

Gióia Júnior



Oração da Maçaneta

Não há mais bela música

que o ruído da maçaneta da porta
quando meu filho volta para casa.

Volta da rua, da vasta noite,
da madrugada de estranhas vozes,
e o ruído da maçaneta
e o gemer do trinco,
o bater da porta que novamente se fecha,
o tilintar inconfundível do molho de chaves
são um doce acalanto,
uma suave cantiga de ninar.

Só assim fecho os olhos,
posso afinal dormir e descansar.

Oh! a longa espera,
a negra ausência,
as histórias de acidentes e assaltos
que só a noite como ninguém sabe contar!

Oh! os presságios e os pesadelos,
o eco dos passos nas calçadas,
a voz dos bêbados na rua
e o longo apito do guarda
medindo a madrugada,
e os cães uivando na distância
e o grito lancinante da ambulância!

E o coração descompassado a pressentir
e a martelarna arritmia do relógio do meu quarto
esquadrinhando a noite e seus mistérios.

Nisso, na sala que se cala, estala
a gargalhada jovem
da maçaneta que canta
a festiva cantiga do retorno.
E sua voz engole a noite imensa
com todos os ruídos secundários.
- Oh! os címbalos do trinco
e os clarins da porta que se escancara
e os guizos das muitas chaves que se abraçam
e o festival dos passos que ganham a escada!
Nem as vozes da orquestra
e o tilintar de copos
e a mansa canção da chuva no telhado
podem sequer se comparar
ao som da maçaneta que sorri
quando meu filho volta.

Que ele retorne sempre são e salvo,
marinheiro depois da tempestade
a sorrir e a cantar.
E que na porta a maçaneta cante
a festiva canção do seu retorno
que soa para mim
como suave cantiga de ninar.

Só assim, só assim meu coração se aquieta,
posso afinal dormir e descansar.

Rafael Gióia Martins Júnior
© Gióia Júnior
Campinas (SP) – Brasil

Há tempos recebi este poema sem autoria e, como mãe, cada palavra dita aqui se encaixava perfeitamente com a angústia pela qual uma mãe passa à espera dos filhos que estão fora de casa. Egoisticamente não pensei nos pais, pois alimentava a certeza de que este poema havia sido escrito por uma mulher. Ao fazer a pesquisa da autoria, tive a grata surpresa em descobrir se tratar de um homem.

3 comentários:

Sonia Pallone disse...

Que coisa mais linda Marise! Fiquei emocionadíssima, e me transportei ao tempo em que adolescentes, meus filhos me deixavam inquieta e preocupada quando iam e demoravam a chegar...Na verdade, até hoje sou assim...quando eles vem me visitar em Atibaia e vão embora, enquanto não me ligam dizendo que chegaram bem eu não consigo dormir...Coisas de mãe mesmo, só de mãe!!! Bjs.

Anônimo disse...

Olá Marise,

Sabe de uma coisa? Eu me sinto honrada de estar aquí. Fico até um pouco tímida e envergonhada por ver tanta beleza, porque estou me sentindo tão pequena diante de tanta manifestação de inteligencia, sensibilidade, organização e bom gosto...

Músicas lindas, poemas bem escritos, bem elaborados e acima de tudo muito bem escolhidos e dispostos de uma forma muito criativa...

Excesso de bom gosto! Diante de tudo isto eu concluo que sei muito pouco...

Neste poema: Oração da Maçaneta,o autor parece que juntou o bater descompassado do coração de todas as mães do mundo que passam noites em claro esperando os filhos voltarem e criou esta coisa simplesmente maravilhosa... Divino!

Um beijo Marisa...

Rita

Sandra Lúcia Ceccon Perazzo disse...

Já conhecia essa maravilha, mas não sabia da autoria e assim como você também fico muito feliz que seja um homem a escrevê-lo.
E o mais interessante, o meu marido é natural de Campinas e eu morei lá depois que saí de Minas Gerais, conhecíamos Gióia, pois foi deputado federal e radialista, mas não sabíamos que era ele o autor.
Como esse mundo é pequeno minha amiga.
Obrigada pela beleza e pela informação,
Beijos
Sanzinha