Se tivesses mandado uma palavra - "Espera"!
© J. G. de Araújo Jorge
Seja bem-vindo a mais um palco do Cenário de Sentimentos (www.mariseribeiro.com). Este espaço é um abraço à sensibilidade, independente da forma como é apresentada: um poema, uma canção, um pensamento, uma pintura, uma charge... O que alimenta a minha emoção torna-se arte e toda arte é especial, é incomum, é rara. Se você não é comum, você é Scenarium!
Entre a Trança e a Fita
Trazida em tranças à porta entreaberta,
Do ontem - a vívida quimera aprumada,
Eu trançada com uma fita amarela.
No agora - como o dia está claro!
O mar pela aldrava aberta, em piscadela,
Ancora-se nas minhas sobejas lembranças,
Uma suave tela se desdobra, em assobio,
Indo e vindo dos sonhos às ressonâncias.
De sobra, pelas frestas da porta,
Marejo uns lamentos impertinentes.
Avisto o céu anil, os lírios da paz, e
Entre a trança e a fita, eu.
Véra Lúcia de Campos Maggioni®
Vera&Poesia®
Santa Rosa, RS, 26/07/2007.
Direitos autorais reservados
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/581251
Reencontro
Não deixem eu calar minha saudade agora;
busquei o mundo, passei muito tempo fora.
Ponham copos nesta mesa abandonada,
onde jogamos cartas e destinos.
Não abram as janelas já tão carcomidas
pelo tempo passado, pó da vida,
nesta casa que gentil nos abrigou
em algazarras e momentos distraídos.
As gavetas devem estar abarrotadas
de tanta coisa inútil e empoeirada:
poemas murchos, flores ressecadas,
entristecidos à espera de algum gesto.
Não acendam a luz, meus pés conhecem,
os vícios dos degraus, os corredores,
as portas que abrem sempre suas asas
aos quartos amplos e acolhedores.
Ouço risos de crianças pela sala
a deslizar no já gasto corrimão
sobre colchões das camas retirados,
sempre correndo em busca de emoção.
Nas paredes há sombras que estremecem
com o bater dos corações, velhos rumores,
que preencheram um dia minha infância
e me mostraram um mundo de bonança.
Quero sentar-me no colo da mamãe,
adormecer com histórias do papai,
e despertar ao som dos passarinhos
que trinavam saltitantes nos beirais.
Agora parto, saciada de fantasmas:
são eles que abrem a porta do jardim
e ternamente beijam minhas faces.
Já vou, já vou! Só vim saber de mim.
Ceres Marylise ©
Itabuna (BA) - Brasil
Publicada em:
www.rodadeleitura.com
www.recantodasletras.com.br
Por mim, toda sua obra seria editada aqui, mas teria de ser um blog exclusivamente dele, então deixo com vocês Futuros Amantes, uma de suas mais belas composições.
Cliquem na imagem tirada pela tiete em seu último show no Rio de Janeiro.
http://www.chicobuarque.com.br/
Mulheres Possíveis
Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes.
Sou a Miss Imperfeita, muito prazer.
Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou:
Trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado três vezes por semana, decido o cardápio das refeições, levo os filhos no colégio e busco, almoço com eles, estudo com eles, telefono para minha mãe todas as noites, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos, participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova toda semana - e as unhas!
E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workaholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás.
Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros.
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho. Você não é Nossa Senhora. Você é, humildemente, uma mulher. E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante.
Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo.
Tempo para fazer nada. Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo para bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três dias. Cinco dias! Tempo para uma massagem. Tempo para ver a novela. Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza. Tempo para fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Voltar a estudar. Para engravidar. Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado. Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será que se destina?
Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem. Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si. Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo! Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente.
Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela. Desacelerar tem um custo.
Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C. Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante.”
Revista do Jornal O Globo
Carta
Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro… há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu… Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.
(1947 Berna - Suíça / Carta à irmã)
Prazer pela metade
Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa, contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido... Uma só.
Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa. Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.
O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.
A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade. A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.
Conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de 'fácil').
Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta.
Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel ridículo.
Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD, esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar. E por aí vai.
Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar', tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...
Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão...
Às vezes dá vontade de fazer tudo 'errado'... Deixar de lado a régua, o compasso, a bússola, a balança e os 10 mandamentos.
Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito. Recusar prazeres incompletos e meias porções.
Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos assim: 'Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora'...
Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.
Um dia a gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que ser agora.
Por isso, garçom, por favor, me traga: cinco bolas de sorvete de chocolate, um sofá pra eu ver 10 episódios do 'Law and Order', uma caixa de trufas bem macias e o Richard Gere, nu, embrulhado pra presente. OK?
Não necessariamente nessa ordem.
Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago.
Leila Ferreira é jornalista e adora colecionar histórias das loucuras e das manias femininas. É autora do livro Mulheres: Por que Será que Elas...? - Editora Globo.
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"Eu permito a todos serem como quiserem, e a mim como devo ser." [Chico Xavier]