segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Arnaldo Bloch



Precisamos falar sobre o Chico

Relevância não é um conceito matemático.

Um amigo me convidou para o show do Lobão sábado passado, no Circo. Declinei: a duas semanas do fim da temporada de 40 dias, eu enfim conseguira meu ingresso para ver o Chico.
— O Chico? — espantou-se meu amigo. — Temporada? Mais de um mês? Quinta a domingo?
— Qual o problema?
— Achava que esses dinossauros da MPB só faziam um fim de semana e olhe lá. E o cara não emplaca um sucesso há 30 anos!
— Ninguém, mais, na MPB, emplaca sucesso algum. Se não é pagode, funk, axé, padre, pastor ou Roberto Carlos, danou-se.
— Não exagera.
— O que é, hoje, emplacar um sucesso? Discos não vendem. Rádios não contam. O que importa é show.
— Mas um mês? Como é que o Chico faz temporada de um mês?
— Chico é um mito. Um Patrick Bruel. Um Bob Dylan latino. Um Gainsbourg. O público que ele teve, continua a ter: a geração dele e pelo menos as três seguintes e uma turma nova, menos numerosa. Além disso, faz um show a cada cinco anos. Não é como o Caetano, sempre nos palcos.

— O Caetano é um ser ubíquo.
— Exato. O Caetano está em novelas, jornais, filmes e prêmios pop. Chico, não. Desaparece por meia década, vai para a França, escreve um livro, caminha na praia, arruma namorada. Quando anuncia um show, é o estouro da boiada.
Meu amigo reconheceu sua avaliação equivocada e me parabenizou por ter um ingresso tão valioso, stricto e lato sensu.
Teve um insight: quantos shows novos de Chico Buarque ainda teremos oportunidade de ver?
— Um novo show de Chico é como uma nova Copa do Mundo.
— Só que, ao contrário do futebol, a qualidade só aumenta — retruquei.
Meu amigo discordou, fazendo coro àquela cansativa esparrela.
— Chico já não é o mesmo. Não faz mais os refrãos que a turma toda gosta de cantar. Chico não tem mais a relevância que tinha.
— Relevância para quem, cara pálida? Musicalmente, ele se sofisticou. Nem precisa mais de parceiro. Para quem gosta de música, é joia.
— Ele era mais relevante num tempo em que a política ditava sua pauta musical. Olha: “Construção”, “Meu caro amigo”, “Vai passar”, “Apesar de você”, “Geni e o zepelim”, “Trocando em miúdos”, “Feijoada completa”. E depois? O que veio?
— Que tal “Futuros amantes”, “Choro bandido”, “A ostra e o vento”, “Brejo da cruz”, “Estação derradeira”, “Valsa brasileira”, “A moça do sonho”?, “Você, você”?, “Cecília”?
— Quem canta essas músicas? A galera não canta essas músicas. Ninguém sabe cantar.
— Que galera? E que critério é esse, que identifica qualidade a tamanho do público?
— A galera que cantava Chico.
— Eu, por exemplo, e pelo menos uns cinco amigos, achamos “As cidades” um discaço. Sei todas as músicas de cor.
— Faz parte de uma minoria. Digamos, 14%.
— E esses 14% não são relevantes? Estão equivocados? Devem ser exterminados?
— Deixa de histeria. Virou manifesto?
— Se atribuir-se uma superioridade “verdadeira”, de caráter absoluto, à cultura culta, sobre as manifestações de maior apelo popular resvala no fascismo, o oposto também.
— Que oposto?
— Dizer que só o gosto das massas é nobre e que a sofisticação é formalismo de elite equivale a perseguir o refinamento, tornar o intelectual um pária, um degenerado, um hermético, inimigo do entendimento. A ideia de que a força está com a maioria fez sucesso tanto nos colossos de esquerda quanto nos populismos totalitários de extrema direita.
— Ih, pirou.
A essa altura, o leitor deve estar perguntando como foi o show do Chico.
Respondo: foi dos melhores que vi. Intimista, privilegiou a música mesmo quando o “sucesso que a gente gosta de cantar” pintou.
Tocou o disco novo inteiro. O disco novo é lindo. “Essa pequena” é uma obra-prima. O refrão de “Sou eu” pega. “Querido diário” é pungente.
Fez um “Geni” apoteótico. Os duetos de violão com Luiz Cláudio Ramos estão primorosos.
Chico Batera é um barato. Jorge Helder é o fino. Wilson das Neves é uma lenda.
E tudo é relevante.

Arnaldo Bloch

Nota: Fotografia pessoal, tirada durante o show do dia 15 de Janeiro, no qual esta admiradora do artista foi brindada com um show inesquecível.

2 comentários:

Eliane F.C.Lima disse...

Ainda bem que a gente tem o Chico. Caetano, que é bom compondo e cantando - devia ficar sempre de boca calada! -, rendeu-se a um mercantilismo que passa, ferozmente, pela Globo. É figurinha fácil naquele programa - que eu não vejo nunca, mas já observei nas chamadas ocasionais -, o tal de "Esquenta", que tenta imitar a descontração dos programas do Chacrinha, mas que nada!
A pena é que o grande público não tem oportunidade de ver nosso bardo, nem de vez em quando.
Musicalmente, a situação anda muito ruim. Ainda bem que a gente tem o Chico.

Sonia Pallone disse...

Marise querida, sempre bom te ver, te rever, saber que em algum lugar, estamos marcando nossos passos, registrando nossas palavras!
Muitas saudades de vc amiga, te gosto, muito mesmo! Beijos com saudades