sexta-feira, 20 de abril de 2012

Aldo Cordeiro
















Índios Yanomamis brasileiros
Foto: Fiona Watson

Dia do Esquecimento

Hoje é dia do índio. Como bom cara pálida, esqueci da data, e só lembrei agora, lendo uma piadinha a respeito.

Eles, ao contrário de mim, nunca esquecerão de que um dia tiveram uma terra, que conviviam em paz com a natureza.

Os que não foram torpedeados pelas mentiras da cultura européia, que tenta lhes arrasar a auto-estima desde 1500, não esquecem que todos os dias são dos invasores. Perdemos todos nós, porque, além de não termos aprendido muito de sua vida na floresta e sua medicina, ganhamos a herança da energia da destruição.

Em lugar de seu milenar sistema de trocas, o nosso sistema de lucros a qualquer custo. Em vez de sua vida coletiva, numa sociedade que protege seus elementos, oferecemos a vida isolada, competitiva, barulhenta, individualista do sistema social e econômico em que escolhemos viver (por decisão ou por ignorância).

Não há o que comemorar. No mínimo deveríamos lembrar, reverenciar, proteger o que resta de seu povo.

E eu, que procuro ser um cidadão consciente deste todo de que os índios deveriam ser parte essencial, pela sua sabedoria e beleza, simplesmente esqueci.

Devo ter herdado dos meus ancestrais uma defesa na minha memória, para conviver com uma história que alguns ainda chamam de "cordial": um país escravocrata durante séculos; que dizimou a quase totalidade de seus índios - e que continua dizimando ao tomar-lhes as terras ou não lhes dando assistência; um país que passa por ditaduras como se fosse um passeio pelo poder, sem qualquer explicação à história; um país que começou a ser corrupto com a primeira caravela.

Em vez de uma consciência histórica participativa, herdamos a nossa história como se fosse um samba-enredo, por onde desfilam mentiras e meias-verdades.

Amamos este país, lindo e miscigenado. Mas é um amor tão alienado da própria história, ainda tão descomprometido com uma participação da maioria de nós, tão indiferente à sua natureza, que um dia pode sucumbir sob o peso da destruição de seu território e de sua cultura.

Rio, 19.04.2012

Publico, com um dia de atraso,  o sincero e consciente texto do Aldo Cordeiro, também me penitenciando pelo esquecimento. 

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