Poema à boca fechada
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
Aprendamos, Amor
Aprendamos, amor, com estes montes
Aprendamos, amor, com estes montes
Que, tão longe do mar, sabem o jeito
De banhar no azul dos horizontes.
Façamos o que é certo e de direito:
Dos desejos ocultos outras fontes
E desçamos ao mar do nosso leito.
Estudo de Nu
Essa linha que nasce nos teus ombros,
Que se prolonga em braço, depois mão,
Esses círculos tangentes, geminados,
Cujo centro em cones se resolve,
Agudamente erguidos para os lábios
Que dos teus se desprenderam, ansiosos.
Essas duas parábolas que te apertam
No quebrar onduloso da cintura,
As calipígias ciclóides sobrepostas
Ao risco das colunas invertidas:
Tépidas coxas de linhas envolventes,
Contornada espiral que não se extingue.
Essa curva quase nada que desenha
No teu ventre um arco repousado,
Esse triângulo de treva cintilante,
Caminho e selo da porta do teu corpo,
Onde o estudo de nu que vou fazendo
Se transforma no quadro terminado.
José de Sousa Saramago
16 de Novembro de 1922 — 18 de Junho de 2010
Singela homenagem do Scenarium ao grande escritor português, falecido nesta data.
8 comentários:
Querida Marise, uma bela homenagem para um grande escritor, que sentiremos muito sua perda.
Efigenia Coutinho
Marise,
Belíssima homenagem. Hoje, cá no sul, até a lua, que ontem reinava altiva, esconde-se atrás de nuvens, névoas, neblinas. Talvez tenha apagado sua luz, para jogá-la toda neste grande poeta e escritor que nos deixa.
Que Deus te abençoe,
Caminha
Nem me fale sobre a perda desse ecritor maravilhoso, adorava quando chegava no 3º ano do Ensino Médio, para falar de Fernando Pessoa, Florbela Espanca, José Régio e do nosso amigo e escritor português José Saramago, suas obras são maravilhosas amiga. Belissima homenagem abraços e valeu
José Ernesto Ferraresso
Boa Noite Marise,
Sempre fui fã do José Saramgo, escritor de uma criatividade ilimitada, homem iluminado pela luz da sabedoria...
Copiei um dos poemas e postei em sua homenagem.
A você agradeço o privilégio de estar aqui...
Beijos da Rita
Marise ... É isto que te faz completa! Você é show no que faz e nas atitudes. Grande Homenagem! beijos mil.. rosa
Adeus Compatriota!!!
José Saramago um erudito literario
portugues de que muito me orgulho.
Mais um perda para Portugal e não só. Minha sentida homenagem.
Joaquim Marques
Marise
Bela homenagem ao grande escritor José Saramago.
Marilda Ternura
Marise, querida poeta amiga!
O Scenarium está maravilhoso como sempre, parabéns!
Que bela homenagem ao gênio de uma era, grande pensador, inventor de estilos, poeta, escritor e muito mais... - O Mago - Saramago!
Ao saber da sua partida escrevi estes versos, de certa forma como uma homenagem ao mestre, ou despedida talvez, que compartilho contigo aqui no teu Scenarium, se me permites.
Obrigada e um grande abraço,
Véra Maggioni
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SARAMAGO / O EVIDENTE LITERATO!
Véra Lúcia de Campos Maggioni®
Vera&Poesia®
Co-E-rente, notório, intenso SARAMAGO -
Em PILAR de leito doce fez-se JOSÉ AMOR,
Nas BELAS-LETRAS uno e eternal, MAGO!
Véra Lúcia de Campos Maggioni®
Vera&poesia®
Em 18 de junho de 2010.
Direitos autorais reservados.
PS:
Humildemente, vos digo:
Boa Viagem, ilustre Escritor Saramago!
Abraços à Pessoa, Amado, Gattai e demais pensadores.
Fechou-se o teu círculo terreno, muita Paz!
Nas tuas obras, a tua eternidade é confirmada.
Muito Obrigado.
Véra Maggioni
18/06/2010
Registrado no Recanto das Letras T: 2344155
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