segunda-feira, 31 de maio de 2010

Francisca Júlia da Silva



A Florista

Suspensa ao braço a grávida corbelha,
Segue a passo, tranqüila... O sol faísca...
Os seus carmíneos lábios de mourisca
Se abrem, sorrindo, numa flor vermelha.

Deita à sombra de uma árvore. Uma abelha
Zumbe em torno ao cabaz... Uma ave, arisca,
Bem perto dela pelo chão lambisca,
Olhando-a, às vezes, trêmula, de esguelha...

Aos ouvidos lhe soa um rumor brando
De folhas... Pouco a pouco, um leve sono
Lhe vai as grandes pálpebras cerrando...

Cai-lhe de um pé o rústico tamanco...
E assim descalça, mostra, em abandono,
O vultinho de um pé macio e branco.

(In Mármores – 1895)



À Noite

Eis-me a pensar, enquanto a noite envolve a terra;
Olhos fitos no vácuo, a amiga pena em pouso,
Eis-me, pois, a pensar... De antro em antro, de serra
Em serra, ecoa, longo, um réquiem doloroso.

No alto uma estrela triste as pálpebras descerra,
Lançando, noite dentro, o claro olhar piedoso.
A alma das sombras dorme; e pelos ares erra
Um mórbido langor de calma e de repouso...

Em noite escura assim, de repouso e de calma,
É que a alma vive e a dor exulta, ambas unidas,
A alma cheia de dor, a dor tão cheia de alma...

É que a alma se abandona ao sabor dos enganos,
Antegozando já quimeras pressentidas
Que mais tarde hão de vir com o decorrer dos anos.

(In Esfinges – 1ª edição, 1903 e 2ª edição, 1920)


Em sessão mediúnica de Chico Xavier, o espírito de André Luiz diz: “apresentamos à nossa casa a irmã Francisca Júlia da Silva, que, havendo atravessado aflitivas provações, à morte do corpo físico, atualmente se propõe trabalhar no combate ao suicídio. Rogamos, assim, alguns minutos de silêncio, a fim de que ela possa transmitir sua mensagem.”

Logo após retirar-se, a poetisa anunciada tomou as possibilidades mediúnicas, com maneiras características, e pronunciou o belo soneto que ela própria intitulou com o expressivo apelo Lutai!

Para melhor entendimento do poema abaixo, cabe informar aqui que Francisca Júlia se suicidou no dia do enterro de seu marido.

Lutai!

Por mais vos fira o sonho, a rajada violenta
Do temporal de fel que enlouquece e vergasta,
Suportai, com denodo, a fúria iconoclasta
E o granizo cruel da lúrida tormenta.

Carreia a dor consigo a beleza opulenta
Da verdade suprema, eternamente casta;
Recebei-lhe o aguilhão que nos lacera e arrasta,
Ouvindo a voz da fé que vos guarda e apascenta.

De alma erguida ao Senhor varai a sombra fria!…
Por mais horrenda noite, há sempre um novo dia,
Ao calor da esperança a luz que nos enleva…

A aflição sem revolta é paz que nos redime.
Não olvides na cruz redentora e sublime
Que a fuga para a morte é um salto para a treva.

In De Vozes do Grande Além, de Francisco Cândido Xavier, diversos Espíritos

Fontes:

Brasiliana USP (o site disponibiliza os livros originais da poetisa)

Mensagens Espíritas

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