segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Les Petits Chanteurs a La Croix de Bois


O Coral
Les Petits Chanteurs a La Croix de Bois é um coral formado por crianças internas da Escola de canto paroquial do mesmo nome, em Paris. Eles partilham seu tempo entre as tarefas escolares oficiais, a educação musical e vocal, e as viagens para apresentações. O coral já se apresentou nos cinco continentes para um público de 50.000 espectadores a cada ano de viagem.
Para saber mais sobre os pequenos cantores e sua escola, clicar
aqui.

A Música
O célebre Duetto buffo di due gatti (dueto humorístico dos dois gatos), chamado apenas de Duo des chats (dueto dos gatos) é uma peça popular para dois sopranos e muitas vezes apresentada como um concerto.
Embora esta peça seja geralmente atribuída a Gioachino Rossini, ela não foi, de fato, escrita por ele. É uma compilação feita em 1825, com passagens tomadas de sua ópera Otelo, de 1816. O autor da compilação foi, provavelmente, o compositor inglês Robert Lucas Pearsall, que utilizou o pseudônimo de G. Berthold.

O Vídeo
O Concerto do coral aconteceu em Seul, Coréia, em Novembro de 1996 e os solistas “gatinhos” são Régis Mengus (o moreno) e 
Hyacinthe de Moulins (o louro)

Reparem na seriedade do gatinho lourinho e nos leves sorrisos do gatinho moreno. Um show de técnica que emociona e diverte. Deliciem-se, mas não esqueçam de dar pause na playlist do Cenário da Música.

Gostaram? Só para matar a curiosidade, vejam como está 
Régis Mengus atualmente.

Para ver mais apresentações do coral é só clicar
aqui.

Neuza Nóbrega Garcia



Para Iluminar

Quando compreendi que a palavra podia iluminar,
não parei mais de falar...
Quando compreendi que escrevendo podia
minha palavra para bem longe levar,
não parei mais de escrever...
Quando compreendi que para falar e escrever,
precisava as Leis divinas conhecer,
não parei mais de estudar...
Mas as Leis divinas conhecendo,
eu fui compreendendo,
que para iluminar,
preciso aprender a amar.

© Neuza Nóbrega Garcia
Cruzeiro (SP) – Brasil

Visite a sensibilidade poética e espiritual de Neuza

no Cantinho da Neuza

domingo, 23 de agosto de 2009

Amélia de Oliveira



Transcrevo abaixo uma das postagens do Blog Literatura em Vida 2, da escritora Eliane F.C. Lima, blog que é um dos meus favoritos. Criado recentemente, o blog é um mar de Literatura abrindo-se para ser navegado por todos que amam a arte literária.
Leiam a manifestação machista de Olavo Bilac e conheçam a bela poesia de Amélia de Oliveira.


“LITERATURA DE ONTEM 2
Vamos conviver aqui com Amélia de Oliveira, poetisa. Como infelizmente, na época, século XIX, escritoras tinham sempre sua identidade estabelecida pelo elemento masculino - hoje muita gente boa já pesquisa sobre elas -, a escritora, como tantas outras, passou para a história literária como a irmã do poeta parnasiano Alberto de Oliveira ou a noiva frustrada de Olavo Bilac, costume ainda hoje presente até na Internet, onde é citada, quase que exclusivamente, nos sites sobre ambos. Recomendo para pesquisa:

1. Antônio Miranda, Poesia dos Brasis, onde aparecem inúmeras escritoras.
2. A resenha de Lilia Moritz Schwarcz para o livro Escritoras esquecidas pela república no endereço http://www.topbooks.com.br/frMateria_ESP_070805.htm
3. O Dicionário crítico de escritoras brasileiras, de Nelly Novaes Coelho, pelo menos, na versão online.

Sobre várias outras escritoras igualmente anuladas, indico o trabalho de equipe de um grupo de pesquisadoras que resultou no livro Escritoras brasileiras do século XIX, organização de Zahidé Lupinacci Muzart, Editora Mulheres.

O reforço explicativo dessa invisibilidade fica clara no trecho de uma das cartas de Bilac para a então noiva, abaixo transcrito.

Carta
Olavo Bilac

(...)
Já te disse que há mais de dois meses tinha eu vontade de te escrever em liberdade, para coisa urgente. Trata-se disto:
Não me agradou ver um soneto teu no Almanaque da "Gazeta de Notícias" deste ano. Não foi o fato de vir em um almanaque o soneto que me desagradou: desagradou-me a sua publicação. Previ logo que andava naquilo o dedo do Bernardo ou do Alberto. Tu, criteriosa como és, não o farias por tua própria vontade. Folguei muito, depois, vendo a minha previsão confirmada por D. Adelaide. Devo confessar que fui o primeiro a insistir contigo para que publicasses versos. Cheguei mesmo a dar alguns aqui, no "Mercantil". Fiz mal. Arrependi-me. Hás de concordar comigo.
Há uma frase de Ramalho Ortigão, que é uma das maiores verdades que tenho lido: - O primeiro dever de uma mulher honesta é não ser conhecida. - Não é uma grande verdade? Reflete sobre isto: Há em Portugal e Brasil cem ou mais mulheres que escrevem. Não há nenhuma delas de quem não se fale mal, com ou sem razão. Além disso, quem publica alguma coisa fica sujeito a discussão, cai no domínio da crítica. E imagina que mágoa a minha, que desespero meu, se algum dia um miserável qualquer ousasse discutir o teu nome! Eu, que chego a ter ciúme do chão que pisas, eu que desejava ser a única pessoa que te pudesse ver e amar, - ouvir discutido o teu nome. Ainda há bem pouco tempo, em S. Paulo, um padre, escrevendo sobre Júlia Lopes, insultou-a publicamente. Eu nada tinha com isso. Mas tratava-se de uma senhora e mulher de um amigo meu: tive vontade de esmurrar o padre. E sem razão. Sem razão, porque uma senhora, desde que se faz escritora, tem de se sujeitar ao juízo de todos. Não quer isto dizer que não faças versos. Pelo contrário. Quero que os faças, muitos, para os teus irmãos, para as tuas amigas, e principalmente para mim, - mas nunca para o público, porque o público envenena e mancha tudo o que lhe cai sob os olhos.
(...)

Teu noivo,
Olavo Bilac
(cerca de 1888)

Inacreditável para o mundo de hoje. Aí está a explicação para que um sem números de mulheres que deram seus textos a público tenham desaparecido do cenário. Se você ficou revoltada(o) como eu, vingue-se agora e leia o belíssimo poema de Amélia.

SONETO
Amélia de Oliveira

Não te peço a ventura desejada,
Nem os sonhos que outrora tu me deste,
Nem a santa alegria que puseste
Nessa doce esperança, já passada.

O futuro de amor que prometeste
Não te peço! Minha alma angustiada
Já te não pede, do impossível, nada,
Já te não lembra aquilo que esqueceste!

Nesta mágoa sorvida, ocultamente,
Nesta saudade atroz que me deixaste,
Neste pranto, que choro ainda por ti,

Nada te peço! Nada! Tão-somente
Peço-te agora a paz que me roubaste,
Peço-te agora a vida que perdi!

(ELTON, Elmo. Amélia de Oliveira - 1868-1945. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1977)”

Antonio Manoel Abreu Sardenberg



Revelia

Não trace o meu destino à revelia

Não mude o roteiro do meu passo
Não faça do teu mundo fantasia
Nem queira intrometer no que eu faço!

Não esconda a máscara do teu rosto
Não pense que um dia vou ser resto
Não diga que já sou um rei deposto,
Um dia saberá o quanto presto...

Não julgue ser a dona da verdade
Nem cante a vitória usando a lira
Não fira por ferir, só por maldade,
Usando como arma a mentira...

Não faça do passado um tempo morto
Nem diga que a vida é só presente
Não queira fazer frágil aquele porto,
Que um dia se aportou dentro da gente!

© Antonio Manoel Abreu Sardenberg
São Fidélis (RJ) – Brasil

Visitem o Poeta Sardenberg em Alma de Poeta

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Sasha Cohen



Recebi este vídeo da Anna Machado e fiquei fascinada com a performance de Sasha Cohen. Patinadora artística americana, Alexandra Pauline Cohen é a atual campeã americana. Até agora a única patinadora do mundo a receber +3s pelos seus espirais no atual sistema de pontuação.
Apreciem a beleza, o equilíbrio, a leveza e o final apoteótico.
Para saber mais sobre Sasha Cohen clique aqui.

Jorge Linhaça



A Dama do Lago

Certa vez, formosa dama,
desalentada da vida,
em um dia da semana,
foi-se ao lago, entristecida.

Levava, nas mãos, um buquê,
lembrança do seu amado,
que acabara de perder,
acusado de pecados.

A dama, naquela sanga,
entrou e não mais voltou,
virou lenda tropicana,
para os que sofrem d'amor.

Nas noites de lua nova,
quando o lago é só silêncio,
dizem que ela retorna,
para entoar seu lamento.

Amantes apaixonados,
no lago fazem vigília,
esperando que seu fado
escape dessa armadilha.

Atiram flores na água,
para a dama do lago,
para afastar-lhes as mágoas
do coração machucado.

© Jorge Linhaça
Arandu (SP) - Brasil
04/04/2008

N. do A.: a "dama do lago" é criação do poeta Jorge Linhaça.
Qualquer semelhança com lendas ou fatos terá sido mera coincidência.

Mais textos de Linhaça:
Recanto das Letras
O Reino Encantado de Jorge Linhaça

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Amália Rodrigues

Para ouvir melhor o vídeo, acione a pausa na playlist do Cenário da Música.

Amália da Piedade Rodrigues tornou-se conhecida mundialmente como a Rainha do Fado, mas não só cantava fados e outras músicas de tradição popular portuguesa, como também canções contemporâneas (iniciando o chamado fado-canção) e mesmo alguma música de origem estrangeira (francesa, americana, espanhola, italiana, brasileira). Marcante contribuição sua para a história do Fado foi a novidade que introduziu ao cantar poemas musicados de grandes autores portugueses consagrados, como Camões e Bocage. Teve ainda a serviço da sua voz a pena de alguns dos maiores poetas e letristas contemporâneos seus, como David Mourão Ferreira, Pedro Homem de Mello, Ary dos Santos, Manuel Alegre e O’Neill.

Conhece também Alain Oulman, que lhe compõe várias canções. Alain foi preso pela polícia secreta do estado, acusado de atividades subversivas.
O seu fado de Peniche (Abandono) foi proibido por ser considerado um hino aos que se encontravam presos em Peniche, Amália cantou também um poema de Pedro Homem de Mello (Povo que lavas no rio), que ganhou uma dimensão política.
A fadista e atriz Amália não se calou. Moveu mundos e fundos, e conseguiu que libertassem Alain. E sublinhou que não compreendia que houvessem proibido “Abandono” - um lindo fado de amor. Amor pela Liberdade.

Sabe-se que Amália, vista por muitos como um dos Fs da ditadura ("Fado, Fátima e Futebol"), colaborara economicamente com o Partido Comunista Português quando este era clandestino. Amália Rodrigues representou Portugal em todo o mundo, de Lisboa ao Rio de Janeiro, de Nova Iorque a Roma, de Tóquio à União Soviética, do México a Londres, de Madrid a Paris (onde atuou tantas vezes no conceituado Olympia).

Propagou a cultura portuguesa, a língua portuguesa e o fado.
Amália dá ao fado um fulgor novo. Canta o repertório tradicional de uma forma diferente, sincretizando o que é rural e urbano.

Fonte: Wikipédia

Apreciem mais interpretações da saudosa Amália aqui.

Tere Penhabe



Soneto IX
Não me conheces?

Eu traço diagonais entre os humanos,

Causando tropeções em suas vidas.
No anfiteatro, há cem milhões de anos,
Vê-se a reprise em cenas repetidas.

Tenho uma alcova em peito de tiranos,
Que tornam esperanças combalidas,
E mesmo quando fecham-se os panos,
A minha casta é toda de atrevidas.

Eu bruxuleio à luz do candelabro,
Enfeito as ceias que servem aos vermes,
Supostos homens, meros paquidermes...

Onde a vaidade faz o descalabro!
Eu não mereço mais que a tua ira...
Não me conheces? Sou a vil mentira!

© Tere Penhabe
Santos (SP) - Brasil
28/03/2007

Visitem Tere Penhabe em Amor Em Verso e Prosa

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Cora Coralina



Velho

Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um suco de lágrimas pungidas
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepúsculo gelado

Que vai soturno amortalhando as vidas
Ante o repouso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,

Sentes a morte taciturna e amiga,
Que os teus nervosos círculos governa.

Estás velho estás morto! Ó dor, delírio,

Alma despedaçada de martírio
Ó desespero da desgraça eterna.

Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas, 20/08/1889 — 10/04/1985, é a grande poetisa do Estado de Goiás. Em 1903 já escrevia poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o jornal de poemas femininos "A Rosa". Em 1910, seu primeiro conto, "Tragédia na Roça", é publicado no "Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás", já com o pseudônimo de Cora Coralina.
Em 1911 conhece o advogado divorciado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem foge. Vai para Jaboticabal (SP), onde nascem seus seis filhos: Paraguaçu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência. Seu marido a proíbe de integrar-se à Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922. Em 1928 muda-se para São Paulo (SP).
Em 1934, torna-se vendedora de livros da editora José Olimpio que, em 1965, lança seu primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais".
Em 1976, é lançado "Meu Livro de Cordel", pela editora Cultura Goiana.
Em 1980, Carlos Drummond de Andrade, como era de seu feitio, após ler alguns escritos da autora, manda-lhe uma carta elogiando seu trabalho, a qual, ao ser divulgada, desperta o interesse do público leitor e a faz ficar conhecida em todo o Brasil. Sintam a admiração do poeta, manifestada em carta dirigida a Cora em 1983:

"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia ( ...)."

Editado pela Universidade Federal de Goiás, em 1983, seu novo livro "Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha", é muito bem recebido pela crítica e pelos amantes da poesia. Em 1984, torna-se a primeira mulher a receber o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano de 1983. Viveu 96 anos, teve seis filhos, quinze netos e 19 bisnetos, foi doceira e membro efetivo de diversas entidades culturais, tendo recebido o título de doutora "Honoris Causa" pela Universidade Federal de Goiás.
No dia 10 de abril de 1985, falece em Goiânia. Seu corpo é velado na Igreja do Rosário, ao lado da Casa Velha da Ponte.
"Estórias da Casa Velha da Ponte" é lançado pela Global Editora.
Postumamente, foram lançados os livros infantis "Os Meninos Verdes", em 1986, e "A Moeda de Ouro que um Pato Comeu", em 1997, e "O Tesouro da Casa Velha da Ponte", em 1989.

(extraído do livro "Estórias da Casa Velha da Ponte", Global Editora)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Chico Buarque e Vinícius de Moraes



As cartas abaixo foram trocadas entre Chico Buarque e Vinícius de Moraes há 38 anos, durante o processo de criação da linda Valsinha.
As cartas foram cedidas por Chico Buarque para o livro Achados, de Caíque Botkay. Faço aqui a ressalva de que a correspondência, por ser entre amigos, contém termos fortes, o que não desmerece o valor deste achado. Deliciem-se!

“DE VINÍCIUS DE MORAES PARA CHICO BUARQUE

Mar del Plata, 24 de janeiro de 1971

Chiquérrimo,

Dei uma apertada linda na sua letra, depois que você partiu, porque achei que valia a pena trabalhar mais um pouquinho sobre ela, sobre aqueles hiatos que havia, adicionando duas ou três idéias que tive. Mandei-a em carta a você, mas Toquinho, com a cara mais séria do mundo, me disse que Sérgio [Buarque de Hollanda] morava em Buri, 11, e lá se foi a carta para Buri, 11.

Mas, como você me disse no telefone que não tinha recebido, estou mandando outra para ver se você concorda com as modificações feitas.

Claro que a letra é sua, e eu nada mais fiz que dar uma aparafusada geral. Às vezes o cara de fora vê melhor essas coisas.

Enfim, porra, aí vai ela. Dei-lhe o nome de "Valsa hippie", porque parece-me que tua letra tem esse elemento hippie que dá um encanto todo moderno à valsa, brasileira e antigona. Que é que você acha? O pessoal aqui, no princípio, estranhou um pouco, mas depois se amarrou na idéia. Escreva logo, dizendo o que você achou.

"Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito mais quente do que comumente costumava olhar
E não falou mal da poesia como mania sua de falar
E nem deixou-a só num canto; pra seu grande espanto disse: vamos nos amar...
Aí ela se recordou do tempo em que saíam para namorar
E pôs seu vestido dourado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como a gente antiga costumava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a bailar...
E logo toda a vizinhança ao som daquela dança foi e despertou
E veio para a praça escura, e muita gente jura que se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu em paz".

DE CHICO BUARQUE PARA VINÍCIUS DE MORAES

Caro poeta,

Recebi as duas cartas e fiquei meio embananado. É que eu já estava cantando aquela letra, com hiato e tudo, gostando e me acostumando a ela. Também porque, como você já sabe, o público tem recebido a valsinha com o maior entusiasmo, pedindo bis e tudo. Sem exagero, ela é o ponto alto do show, junto com o "Apesar de você". Então dá um certo medo de mudar demais. Enfim, a música é sua e a discussão continua aberta. Vou tentar defender, por pontos, a minha opinião. Estude o meu caso, exponha-o a Toquinho e Gesse, e se não gostar foda-se, ou fodo-me eu.

"Valsa hippie" é um título forte. É bonito, mas pode parecer forçação de barra, com tudo que há de hippie por aí. "Valsa hippie" ligado à filosofia hippie como você a ligou, é um título perfeito. Mas hippie, para o grande público, já deixou de ser filosofia para ser a moda pra frente de se usar roupa e cabelo. Aí já não tem nada a ver. Pela mesma razão eu prefiro que o nosso personagem xingue ou, mais delicado, maldiga a vida, em vez de falar mal da poesia. A sua solução é mais bonita e completa, mas eu acho que ela diminui o efeito do que se segue. Esse homem da primeira estrofe é o anti-hippy. Acho mesmo que ele nunca soube o que é poesia. É bancário e está com o saco cheio e está sempre mandando sua mulher à merda. Quer dizer, neste dia ele chegou diferente, não maldisse (ou "xingou" mesmo) a vida tanto e convidou-a pra rodar.

"Convidou-a pra rodar" eu gosto muito, poeta, deixa ficar. Rodar que é dar um passeio e é dançar. Depois eu acho que, se ele já for convidando a coitada para amar, perde-se o suspense do vestido no armário e a tesão da trepada final. "Pra seu grande espanto", você tem razão, é melhor que "para seu espanto". Só que eu esqueci que ia por itens.

Vamos lá:

* Apesar do Orestes (vestido de dourado é lindo), eu gosto muito do som do vestido decotado. É gostoso de cantar vestidodecotado. E para ficar dourado, o vestido fica com o acento tendendo para a primeira sílaba. Não chega a ser um acento, mas é quase. Esse verso é, aliás, o que mais agrada, em geral. E eu também gosto do decotado ligado ao "ousar" que ela não queria por causa do marido chato e quadrado. Escuta, ô poeta, não leva a mal a minha impertinência, mas você precisava estar aqui para ver como a turma gosta, e o jeito dela gostar dessa valsa, assim à primeira vista. É por isso que estou puxando a sardinha mais para o lado da minha letra, que é mais simplória, do que pelas suas modificações que, enriquecendo os versos, talvez dificultem um pouco a compreensão imediata. E essa valsinha tem um apelo popular que nós não suspeitávamos.

* Ainda baseado no argumento acima, prefiro o "abraçar" ao "bailar". Em suma, eu não mexeria na segunda estrofe.

* A terceira é a que mais me preocupa. Você está certo quanto ao "o mundo" em vez de "a gente". Ah, voltando à estrofe anterior, gostei do último verso onde você diz "e cheios de ternura e graça" em vez de "e foram-se cheios de graça". Agora, estou pensando em retomar uma idéia anterior, quando eu pensava em colocá-los em estado de graça. Aproveitando a sua ternura, poderíamos fazer "Em estado de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar". Só tem o probleminha da junção "em-estado", o "em-e" numa sílaba só. Que é o mesmo problema do "começaram-a". Mas você mesmo disse que o probleminha desaparece dependendo da maneira de se cantar. E eu tenho cantado "começaram a se abraçar" sem maiores danos. Enfim, veja aí o que você acha de tudo isso, desculpe a encheção de saco e responda urgente.

* Há um outro problema: o pessoal do MPB-4 está querendo gravar essa valsa na marra. Eu disse que depende de sua autorização e eles estão aqui esperando. Eu também gostaria de gravar, se o senhor me permitisse, por que deu bolo com o "Apesar de você", tenho sido perturbado e o disco deixou de ser prensado. Mas deu para tirar um sarro. É claro que não vendeu tanto quanto a "Tonga", mas a "Banda" vendeu mais que o disco do Toquinho solando "Primavera". Dê um abraço na Gesse, um beijo no Toquinho e peça à Silvana para mandar notícias sobre shows etc. Vou escrever a letra como me parece melhor. Veja aí e, se for o caso, enfie-a no ralo da banheira ou noutro buraco que você tiver à mão.

"Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz."

Fonte:
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/

Apreciem o vídeo da música Valsinha, com as imagens de Chico Buarque na exposição O Tempo e o Artista sobre sua vida e sua carreira, apresentada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, em 2004.